O machismo nosso de cada dia


Certamente alguém vai dar uma olhada no autor e dizer: "Ah, é um homem falando de machismo!" A quem chegar com essa energia, peço um pouco de confiança porque o que venho tratar é chato, mas é algo que precisa ser discutido.

Esse espaço trata da criação de filhos e se propõe a dar dicas sobre o dia a dia e vivência dos pequenos em seus primeiros anos de vida. Pois bem, a família dos neguinhos passou por uma reviravolta, dessas que muitas famílias passam, e o blog ficou uma boa temporada sem atualizações.

Onde havia um neguinho, hoje são dois. Onde havia um casal, hoje há um "pai solteiro" e uma mãe que visita e tem funções no mundo diário das crianças. Sim, os meninos ficaram com o pai. Eu.
E a partir daí começa a história de machismo que quero contar.

O mundo machista constrói que as mães são mais ligadas preparadas e aptas a lidar com as crianças. É injusto com as mulheres, se fosse verdade, teriam elas a obrigação de saber, querer e gostar disso. OBRIGAÇÃO.

Isso também é injusto com os homens que passam a ser tratados como alienígenas se souberem, quiserem ou gostarem de cuidar dos filhos. O machismo dá aos homens o papel extremamente cômodo de "fazer se quiser". Por outro lado "dá" às mães mais direitos sobre os filhos. Mas não precisa ser assim. Mas isso não é o natural. Precisamos todos, homens e mulheres, ir conta isso.

Na minha vivência particular, sempre fui eu que tive mais aptidão, paciência e, diria até, prazer em lidar com as crianças. Não, amigos, não tem nada a ver com o tamanho do amor que se sente pelos filhos. Não é isso que está sendo medido. Não misture as coisas.

Voltemos ao texto.

Quando a mãe dos meninos se estressava ao ficar com eles em casa, eu sugeri, mais de uma vez, deixar meu emprego e ficar com eles até que eles, pelo menos até que eles tivessem tamanho suficientes para serem cuidados só por babás.

Essa ideia sempre foi rechaçada pela mãe dos meninos (Ela era recém formada e eu já chefiava um setor, ou seja, ganhava melhor). Mas isso também era tratado como loucura por colegas e minha chefe (isso, mulheres), que perguntavam: "esses meninos não têm mãe, não?"

Esse tipo de pergunta se repetia quando eu precisava faltar para levar os meninos no médico ou dentista, ou quando eu chegava indisposto por noites mal dormidas devido a febres ou mesmo para dar uma das "mamadas" da noite.

Na minha casa, quem conseguia botar os bebês pra dormir depois de crises de cólica era eu, também dividia as vezes de dar o banho e de trocar as fraldas.

Alguém vai chegar nesse ponto do texto e dizer, incrédulo: "mesmo que seja verdade, não é todo homem que faz assim!" Beleza. Concordo que estatisticamente pode não ser. Mas eu imagino que numa casa sem empregada as funções domésticas sejam divididas de maneira que cada parte do casal tenha suas obrigações. Por que, então, em relação aos filhos isso seria diferente.

Não tem isso de não querer fazer. Quem é que gosta de trocar fralda de cocô? Quem é que nasce sabendo disso? Sem essa, por favor. Se não sabe, aprende. Se não gosta, faz sem gostar ou negocia outra função. Amiga, se na sua casa o homem decide o que ele vai fazer ou não, sua casa é machista. E se você acha que o filho é mais seu que dele, saiba que isso é uma estratégia para te deixar com o serviço sujo.

Pois bem. A separação aconteceu quando o neguinho mais novo tinha ainda um ano de idade. Hoje ele está com quase quatro. Nesse tempo todo os dois moraram comigo.

Mais um alerta de leitor machista! Se por um acaso o seu pensamento, caro leitor, o levou a montar uma situação litigiosa e violenta pela guarda das crianças em que a mãe teve os filhos arrancados dela, isso não aconteceu. A decisão foi tomada amistosamente levando em conta o que seria melhor para as crianças.

Mas veja como é a nossa sociedade. A separação foi devidamente comunicada às coordenações escolares e, mesmo assim, mesmo sabendo que os meninos moram com o pai, todos os comunicados são iniciados assim: "Mamãe,..."

Aí você me diz, "ihh, vai começar o mimimi". Na verdade, essa padronização pela mãe como referência reforça o que está dito no quinto parágrafo. O machismo está nas pequenas coisas. E está na sociedade, em todas as esferas sociais. Não só nos homens, não só nos mais ignorantes.

Eu sigo com minhas descobertas e percebo o machismo ainda mais perto de mim quando vejo amigas minhas. Antigas. Aguerridas no movimento feminista. Procurando sempre a mãe dos meninos para tirar dúvidas sobre coisas que eu, o pai, é que vivencio ou que eu resolvi.

Vejo, inclusive, a mãe dos meninos contando para elas como o pai dos meninos resolveu a questão. Ora me citando, ora não (o que não faz diferença). O que me deixa triste é perceber que mesmo sabendo que os meninos moram com o pai, é para a mãe que se perguntam as coisas do dia a dia dos meninos.

Tá, mas eu não desisto fácil. Na minha luta contra o machismo que esteriotipa os gêneros, já fui expulso de grupo que discutia a criação dos filhos. Fiquei ignorado algumas vezes também em discussões de redes sociais por ser pai, não mãe.

Ou seja, o sexismo, que é uma das ferramentas mais poderosas do machismo, está muito presente em muitos grupos de "pais e mães". Elas parecem não perceber o quanto isso é danoso para elas próprias, que ficarão condenadas à figura de mãe e, portanto, tendo sua condição de indivíduo diminuída.

Não é raro, ver mães que começam "comprando" todas as regras da maternidade e da "boa mãe" logo que engravidam e depois, já nos primeiros meses, percebem que aquilo não pode estar correto. É duro demais e desumano demais para algumas delas.


Acredito que não há, nem deve haver, funções pré-determinadas. Cada indivíduo tem suas próprias virtudes, anseios, aptidões e desejos. Isso não depende de gênero. É individual. Padronizar isso é danoso para todos. Óbvio que o limite do que é saudável não pode ser posto de lado, mas o equilíbrio psicológico das mães e dos pais também deve ser incluído nessa equação.

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