História de vida - infância perdida

Aos 12 anos Severina se livrou do pai que a abusava sexualmente após sua mãe descobrir que os machucados deixados pelo marido na filha não tinham a ver com surras ou corretivos. Com a ajuda do programa Sentinela, que cuida de crianças que sofrem abuso sexual, Severina se recuperou e voltou para casa. O pai havia ido embora.

Aos 14 engravidou e passou a morar junto com um rapaz de 22 anos. Não havia amor, mas cuidar do bebê requeria cuidados extras que ela e a mãe, agora avó, não podiam arcar sozinhas. O rapaz, sem emprego, acabou virando mais um peso na casa.

Pior que isso, acabou repetindo o que o sogro, que ele nem conheceu, fazia com a família, passou a explorá-la. Com total falta de respeito passou a prostituir Severina em troca de dinheiro que usaria na compra e tráfico de drogas. Nem nesse momento ele pensou na casa, na família, no filho.

A situação de Severina ainda piorou quando o suposto companheiro passou a espancá-la. A mãe de Severina assistia tudo sem ajudar. Talvez por não saber como, talvez por medo, talvez por achar que a vida é assim.

Mas as surras pararam quando a polícia veio procurar o rapaz, agora com 23 anos, que já estava envolvido em vários crimes. Ele escapou de ser preso e sumiu. Fugiu deixando para trás sua casa.

Severina, seu filho e sua mãe respiraram aliviados, mas não por muito tempo. Com a ausência do rapaz “protetor”, o pai de Severina voltou. Ele e a mãe reataram o compromisso outrora quebrado pelo estupro e ele passou a, novamente, cuidar da família.

Severina, que já se prostituía obrigada pelo marido, resolveu sair de casa porque não agüentava viver junto com o pai. Ela e o filho passaram a viver na rua da prostituição dela que hoje tem 15 anos. Foi quando o Sentinela teve notícias dela novamente. Ela havia sido pega por um conselheiro tutelar que, sem o menor esforço de entender sua situação, a taxou: “essas meninas já nascem prostitutas”.

Essa história bem que podia ser fictícia, mas não é, é real. Com exceção do nome da menina, todos os fatos e idades são reais. Tudo aconteceu na região metropolitana de João Pessoa, Capital paraibana. A história é triste, mas acontece todos os dias com outras Severinas que não têm o direito à infância nem à segurança.

Comentários

  1. Ninguem nasce ruim, assim como ninguem nasce bom.
    Não sei se o pior é não poder fazer nada, ou simplesmente "achar" que não se pode fazer nada.

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  2. Anônimo5:36 PM

    O jornalismo cria certos paradigmas cruéis, pois ao mesmo tempo em que esse texto é uma "beleza" Maurício, dói saber que tão boa construção narrativa foi às custas de uma penosa história de vida. De todo modo, parabéns pelo texto.Bjus.

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  3. Anônimo8:42 PM

    Acho que você deve publicá-la no Portal. Mesmo com o tom de literatura, o texto está preenchido por conteúdo jornalístico relevante. Parabéns pelo levantamento e redação. Um abraço!

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  4. Anônimo2:12 PM

    Belíssimo texto, Maurício.
    Forte, emocionante e com um realismo extraordinário. Concordo com Breno q você poderia transformá-lo em uma matéria. Para tanto, acho que vc não precisaria modificar nada dele, mas apenas acrescentar. Depois desse texto de Severina, vc poderia colocar os dados de atendimentos do Sentinela e pegar informações sobre o programa e também com especialistas (psicólogos, sociológos, educadores)sobre o assunto. Daria uma excelente matéria, digna de prêmio.

    Beijos!

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  5. Anônimo3:51 PM

    Parabéns, Maurício, pelo belíssimo texto. A história desta menina é inacreditavelmente triste. O pior é saber que como a vida dela há muitas outras por aí, muitas bem piores.
    Sou apaixonada por este tipo de jornalismo que tenta, mais que informar, abrir os olhos desta sociedade que permite que tais pesadelos de vida existam aos montes.
    Beijos.

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  6. Durante a semana passada, quando estive em Ilhéus hospedada na casa de uma amiga minha, a acompanhei na filmagem de um trabalho pra faculdade e foi exatamente no lugar onde está a sede do Projeto Sentinela, lá, e exatamente no dia das crianças.

    Conversando com o pessoal lá ouvi cáda história que... putz... A gente só consegue se perguntar "como alguém tem coragem de fazer isso". Uma bebê de 9 meses!! Tu crê?

    Triste ver tudo isso. Triste ter TANTO tudo isso.

    xêro em tu

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  7. Maurício

    Muito bom o texto, e por isso mesmo mais uma triste constatação da realidade em que vivemos.

    Abraços, leNildo Ferreira

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